Recusa ao absurdo
Há decisões políticas que não parecem apenas equivocadas — parecem profundamente desrespeitosas.

Por Eduardo Machado
Receba as principais notícias no seu WhatsApp! clique aquiHá decisões políticas que não parecem apenas equivocadas — parecem profundamente desrespeitosas. A recente escolha da SEDU, no Espírito Santo, de anunciar a renovação dos contratos depois do encerramento das inscrições para o processo seletivo de contratação para 2026 é uma dessas decisões que, para além da burocracia, produz consequências humanas graves. E, como professor, é impossível assistir a isso em silêncio.
Por semanas, a orientação era clara: não haveria renovação. O próprio secretário esteve dentro de escolas afirmando isso. Coordenadores repassaram a informação aos professores. E muitos de nós, confiando na palavra institucional — como se deve confiar em qualquer órgão público sério — nos organizamos. Nos inscrevemos. Ajustamos a vida. Abrimos mão de outras oportunidades. Fizemos planos contando com um processo seletivo que, acreditávamos, seria justo e necessário.
E então, quando as inscrições se encerram, vem o anúncio que desmonta tudo: haverá renovação. A decisão chega tarde, chega torta, chega machucando. E deixa para trás um rastro de insegurança que nenhuma nota oficial será capaz de reparar.
É difícil não chamar isso pelo nome real: descaso.
Porque não se trata apenas de um erro técnico ou de um ajuste administrativo. Trata-se de vidas. De renda. De professores que, de um dia para o outro, descobriram que estarão desempregados no próximo ano — não por falta de competência, não por ausência de esforço, mas por uma condução política que tratou a categoria como se fosse descartável.
É impressionante — e profundamente inquietante — que a SEDU, uma secretaria que deveria ser guardiã da educação, se permita decisões que revelam uma desconexão quase completa com a realidade dos profissionais que sustentam a escola pública. A mensagem que se passa, ainda que não seja dita em voz alta, é contundente: vocês são números; adaptem-se.
Mas não somos números. Somos pessoas. Somos profissionais com anos de dedicação, que diariamente enfrentam salas lotadas, falta de estrutura, múltiplas demandas emocionais e pedagógicas — e que, mesmo assim, seguem acreditando que educar ainda vale a pena.
E o mínimo que o Estado deveria oferecer é clareza. Coerência. Respeito.
Quando uma gestão muda de direção sem considerar os impactos humanos de suas ações, ela erra não apenas na política pública, mas no princípio ético mais elementar: o compromisso com a dignidade das pessoas afetadas.
O resultado dessa condução foi imediato e devastador: professores que haviam se inscrito no processo seletivo agora descobrem que suas chances foram esmagadas. Outros, que esperavam a abertura do processo para tentar uma vaga, foram simplesmente excluídos da disputa. E aqueles que acreditaram na informação oficial se veem traídos pela própria instituição que deveria servi-los.
Qual é o recado? Que promessas podem ser feitas e desfeitas sem consequência? Que a palavra pública não tem valor? Que o professor deve se adaptar ao improviso do governo, enquanto o governo não se compromete com nada?
Não há política educacional possível sem confiança.
Não há escola possível sem respeito.
Não há Estado legítimo quando suas ações produzem insegurança sistemática.
Os professores do Espírito Santo merecem, urgentemente, mais que justificativas burocráticas. Merecem um pedido de desculpas — e medidas concretas para reparar o dano causado.
Porque aquilo que foi rompido não é apenas um processo seletivo. Foi a relação entre quem educa e quem deveria apoiar a educação. E reconstruir isso exigirá muito mais do que comunicados formais. Exigirá responsabilidade. Exigirá seriedade. Exigirá humanidade — exatamente aquilo que faltou desta vez.
** Eduardo Machado é filósofo, professor e psicanalista.
As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM
