Uma voz na escola

E, quando penso na minha trajetória como professor de Filosofia, percebo que foi esse pacto que, muitas vezes, me sustentou mais do que qualquer teoria ou método.

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Foto: Freepik

Por Eduardo Machado

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Há uma sabedoria silenciosa que percorre os corredores das escolas. Ela não aparece nos planejamentos, não consta nos documentos oficiais, não recebe carimbo da secretaria — mas está ali, pulsando entre olhares cúmplices, nas conversas rápidas no intervalo, nos desabafos sussurrados perto da sala dos professores. É o pacto invisível do apoio mútuo. E, quando penso na minha trajetória como professor de Filosofia, percebo que foi esse pacto que, muitas vezes, me sustentou mais do que qualquer teoria ou método.

Nós, professores, somos seres de fronteira. Vivemos entre mundos: o da vida pessoal e o da escolar, o das expectativas da sociedade e o das possibilidades reais do cotidiano, o da formação humana e o da burocracia que insiste em se impor. Carregamos não apenas livros e provas, mas também histórias, angústias, sonhos, frustrações e esperanças. E, justamente por isso, ninguém entende tão bem um professor quanto outro professor.

A Filosofia nos ensina que o pensamento é, por natureza, um fenômeno coletivo. Ninguém pensa sozinho — e ninguém educa sozinho. Hannah Arendt dizia que educar é apresentar o mundo às novas gerações e, ao mesmo tempo, protegê-las dele. Pois bem: quem protege o educador? Quem sustenta aquele que sustenta? Quem cuida de quem cuida? A resposta, quase sempre, tem rosto de colega.

É na partilha que nos reerguemos. Na troca de materiais que parece banal, mas economiza horas e salva semanas. Na sugestão de um livro que desperta um novo olhar. Na confissão honesta: “Também estou cansado”. No gesto simples de oferecer café, no ato solidário de ouvir sem julgar, no humor que desarma o peso das horas. Em pequenos encontros que, somados, garantem que o professor não desista.

Apoio mútuo não é apenas companheirismo; é resistência. É a recusa em deixar que o desgaste nos transforme em máquinas de conteúdo. É o que mantém a escola humana em meio à pressão por resultados, metas e números que tentam traduzir o que, por natureza, é intraduzível: o processo de aprender a viver.

Cada vez mais acredito que a educação é um modo de existir junto — e que a sobrevivência emocional e intelectual dos professores depende dessa comunidade sensível, muitas vezes informal, mas absolutamente fundamental. Quando um professor acolhe outro, o que se fortalece não é apenas uma pessoa, mas a própria possibilidade de educar com sentido.

A escola mais rica não é a que tem o maior acervo, mas a que tem profissionais que se reconhecem. A escola mais viva não é a que acumula programas, mas a que cultiva vínculos. A escola mais humana é aquela em que um professor sabe que pode entrar na sala dos professores depois de uma aula difícil e encontrar não julgamentos, mas presença.

Que defendamos esse cuidado como princípio. Que a partilha nunca seja vista como fragilidade — mas como força. E que possamos, como educadores, continuar sustentando uns aos outros para que o trabalho diário não se reduza a mera rotina, mas continue sendo um ato profundamente humano, belo e, por que não, filosófico.

Porque, no fim das contas, são esses encontros entre professores que tornam possível o encontro com os estudantes. E são esses gestos de apoio que mantêm vivo, em cada um de nós, o desejo de seguir acreditando no extraordinário simples que é ensinar.

** Eduardo Machado é filósofo, professor e psicanalista.

As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do AQUINOTICIAS.COM